Reação em cadeia
Na prisão feminina de Votorantim, presas fazem programa de TV transmitido para todo o Estado
Mayco Geretti
Agência BOM DIA
Agência BOM DIA
Iara, 25 anos, âncora do programa, é maquiada antes da câmera ser ligada. O entrevistado se prepara e toma uma água, observado por uma plateia de mais de cem mulheres, cercadas por muralhas e grades de aço, as únicas coisas que nos fazem lembrar que estamos dentro de uma cadeia.
O programa “TV Cela” é feito por presas, mas não somente para presas. As entrevistas estão sendo gravadas desde o começo de novembro e a exibição iniciou em dezembro, pela emissora da Assembleia Legislativa, para todo o Estado.
Tudo é função das detentas: desde sugerir entrevistados, até a produção da pauta e operação das câmeras. A iniciativa é um projeto próprio do ex-secretário de Cultura de Votorantim, Werinton Kermes, que já havia coordenado o “Povo Marcado”, um programa de rádio que era transmitido de dentro da cadeia. “Sempre tive a ideia de migrar para outras mídias e a televisão é um formato que atrai as presas. Exibir a imagem das detentas ajuda a mostrá-las como humanas e a quebrar barreiras que as cercam”, argumenta.
O projeto começou através de oficinas que ensinaram técnicas de filmagem, apresentação e produção às presas. Todas fizeram de tudo antes de escolherem em quais funções gostariam de atuar.
Edicleusa, 29 anos, havia usado uma câmera caseira uma vez na vida antes de ser presa. Hoje é quem filma o programa, tendo liberdade para escolher os planos que mais gosta. “Estou usando como uma atividade profissionalizante. Conheci a profissão, gosto do que estou fazendo e quero levar adiante quando sair, fazendo cursos e procurando emprego na área”, diz.
O programa é composto de cinegrafista, apresentadora e duas produtoras que ajudam a escolher entrevistados e bolar as perguntas que, vez ou outra, podem colocá-los em saias-justas propositais. Bianca, 31, é uma das produtoras e diz que as entrevistas mesclam conteúdo de interesse público, serviços e alfinetadas. “Temos a chance de conversar cara-a-cara com gente que pode mudar nossas vidas, fazer algo por nós. Sempre procuramos preparar o terreno antes de darmos alguns cutucões, cobranças mesmo. Fica difícil para o entrevistado se esquivar.”
Já passaram pelo “TV Cela” o delegado titular de Votorantim, José Augusto Pupim, e os deputados estaduais Maria Lúcia Amary e Hamilton Pereira.
Tema do ‘Profissão Repórter’
O “TV Cela” despertou a atenção da produção do “Profissão Repórter”, da Rede Globo. Na semana passada Caco Barcellos e equipe gravaram em Votorantim o programa sobre população carcerária, que vai ao ar em abril.
Iara, a apresentadora do “TV Cela”, se diz tímida, mas comunicativa. O perfil foi o bastante para que as 30 presas que participaram das oficinas de TV a elegessem para a função. Temerosa nas primeiras gravações, ela diz que a família ficou ansiosa para ver o programa. “Me surpreendi comigo mesma diante do fato de manter uma relação amigável com a câmera. Achei que surtaria, mas peguei gosto”, diz Iara, que também ajuda a munir de textos um blog sobre o programa (http://www.projetotvcela.blogspot.com/).
Animada com o trabalho, ela sabe que pode perdê-lo ao receber a condenação. “Posso ser transferida para outra unidade e já me preparo para não ter mais isso. Se sentir produtiva num ambiente que é feito para oprimir é algo valioso.”
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